Num post no Orkut Estatística Brasil, o estatístico Hemílio iniciou um interessante tópico, que ele chamou de "Pensamento Estatístico: Necessidade Futura", citando a famosa frase do escritor H.G. Wells, autor, dentre muitas outras obras, de "A Guerra dos Mundos", "A Máquina do Tempo", "A Ilha do Dr. Moreau" e "O Homem Invisível":
"No futuro, o pensamento estatístico será tão necessário para a cidadania eficiente como saber ler e escrever." (Statistical thinking will one day be as necessary for efficient citizenship as the ability to read and write)
Interessante notar que, embora Wells tenha dito esta frase há mais de 60 anos, continuamos a citá-la como sendo um fato que ainda haveremos de ver. Veremos mesmo?
A minha desconfiança começa pela forma como muitos estatísticos definem o que seja um Pensamento Estatístico. Não é na faculdade que devemos aprender a ter um raciocínio estatístico. Wells colocou o ensino do Pensamento Estatístico no mesmo instante da Leitura e da Escrita, ou seja, o cidadão deve crescer aprendendo estas três habilidades concomitantemente.
Para o exercício pleno da cidadania, ou seja, para que o cidadão seja capaz participar da sociedade mais efetivamente, é preciso que ele tenha condições de analisar uma série de dados informados pelos muitos órgãos (oficiais ou não) e polir o seu senso crítico.
A grande maioria da população não tem condições de analisar nada: engole notícias (isso quando as recebe) mas não forma opiniões. Como é possível ser cidadão?
Para mim, o Pensamento Estatístico é a capacidade de analisar um conjunto de informações, obtido através de experiência própria, por leitura, ouvindo de alguém, etc., e poder tomar uma decisão. Cada um deve poder raciocinar dentro de sua capacidade, dos mais leigos aos mais estudiosos.
Se levarmos em conta que muitas decisões devem ser tomadas lendo informações numéricas, é muito importante que o cidadão conheça algumas ferramentas matemáticas para processá-las.
Pensando assim, é essencial melhorarmos o ENSINO DA MATEMÁTICA desde a pré-escola E introduzir consistentemente conceitos ESTATÍSTICOS às crianças, desde muito jovem.
Decidir diante de incertezas e de informações diversas é uma arte. Quanto mais preparados estivermos, melhores as chances de acerto. Quanto mais complexa for a decisão a ser tomada, mais informações precisaremos e melhores ferramentas estatísticas precisaremos. Seguindo a mesma linha de raciocínio, quanto mais investimento houver no ensino da matemática e do pensamento estatístico desde criança, maior será a sua capacidade de absorver técnicas mais sofisticadas de análises estatísticas.
Como ensinar Pensamento Estatístico?
No início do ano passado dei de presente ao meu filho o kit “Sorte ou Azar” do Museu de Microbiologia do Instituto Butantan (SP). Dentre os vários joguinhos propostos, há um onde é necessário lançar um dado (propositadamente) viciado inúmeras vezes e anotar os resultados numa planilha fornecida no kit. Depois de umas 20 jogadas, para a minha surpresa, meu filho (então com 6 anos) olhou para mim e afirmou que o dado estava quebrado!
Vejam que a idéia é muito simples mas suscitou no meu filho uma série de raciocínios novos a partir das observações: 1) um número tem saído muito mais que outros: isso é normal? 2) a partir de quantas “coincidências” (sair o mesmo número) posso declarar que o dado é viciado?
Aos alunos do Ensino Médio costumo perguntar sobre decisões que tomamos no dia-a-dia:
“Amanhã vou sair de casa 15 minutos mais cedo para não chegar atrasada na escola.” Como é que eu decidi isso? Adivinhei que o trânsito estará pior?
“Vou pegar um outro caminho alternativo hoje.” Ontem peguei o caminho A e o trânsito estava ruim. Anteontem peguei o B e estava igualmente ruim mas era uma segunda-feira. Devo tentar o B novamente (já que hoje é quarta-feira), ou tentar um terceiro caminho alternativo?
Nas duas situações acima, nada mais fizemos que raciocinar diante de fatos conhecidos, buscando correlacionar informações, ponderando-as segundo algum critério que julgamos importante e, finalmente, tomamos a decisão. Se acertamos, repetimos a fórmula. Se erramos, buscamos outras soluções. Melhoramos nossos processos.
Quando converso com alunos da estatística (das universidades de SP e PR) sempre menciono esta frase do H.G.Wells pois reflete também a minha opinião.
O pensamento estatístico -- não se resume em -- é também aplicar corretamente as teorias da probabilidade, ou traduzir técnicas estatísticas em aplicações compreensíveis.
Informação é poder. Mas a informação não digerida não vale nada. Já o cidadão que não sabe nada...
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Incrível!
ResponderExcluirOi Dóris, muito bom o seu artigo...
ResponderExcluirPara que eu possa consolidar minha interpretação do que foi mencionado, você poderia me dar mais alguns exemplos de situações onde se observa a presença ou ausência de Pensamento Estatístico... (seja do dia-a-dia, mundo acadêmico ou corporativo). Um Abraço, Vitória
Oi Dóris, muito bom o seu artigo...
ResponderExcluirPara que eu possa consolidar minha interpretação do que foi mencionado, você poderia me dar mais alguns exemplos de situações onde se observa a presença ou ausência de Pensamento Estatístico... (seja do dia-a-dia, mundo acadêmico ou corporativo). Um Abraço, Vitória